Os três dias em que fomos únicos hóspedes na Casa de Pascoaes foram um milagre de memória.

O S. desejava pernoitar neste solar há mais de uma década por ter pertencido ao poeta Teixeira de Pascoaes, natural de Gatão, no concelho de Amarante. Dizemos pertencido mas na verdade não é o termo correcto. Será mais certo dizer-se pertence, pois o espírito de Pascoaes ainda habita a casa, que é extensivamente quinta, e em todos os espaços se sente a sua presença.

Chegámos a Gatão vindos de mais a norte, do Gerês, com chuva, ou melhor, com aguaceiros, a meteorologia preferida do S. e a mais detestada da S.

Gatão é muito verde e vê as montanhas do Alvão e do Marão. Uma paisagem rural, perto da terra onde o S. nasceu e cresceu. Terra fértil de vales e rios, de nascentes, de vinhas e vinho verde bem característico. A cinco minutos da muito bonita e histórica cidade de Amarante, atravessada pelo rio Tâmega, de arquitectura granítica e austera, conhecida pela sua doçaria e elegantes confeitarias (o paraíso para a S.), onde abundam doces fálicos, lérias, foguetes, papos de anjo ou brisas do Tâmega.

Da Casa de Pascoaes vê-se e sente-se muito mais. Chegámos a meio da tarde e logo nos apercebemos da impressiva aura poética do lugar. Fomos prontamente recebidos pela Leonor, guardiã do solar e da história da família, crescida naquela casa, detentora de memórias vivas, e de uma herança preciosa que gentilmente partilhou connosco, tornando esta estadia mais visceral do que alguma vez poderíamos imaginar.

A casa é absolutamente deslumbrante e encontra-se dividida em duas partes: o rés-do-chão, reservado aos hóspedes, consiste numa área extensíssima, onde ficava antes uma espécie de adega, e que foi entretanto renovada para dar lugar a uma imponente sala com mobiliário antigo e uma lareira de pedra de fazer inveja ao melhor palácio.

Obras de arte, incluindo pinturas e outros artefactos, revestem as paredes, e por todo o lado sente-se o peso do génio da família. Ao lado da lareira, uma cadeira de baloiço imortaliza o ritmo da história. Ainda no rés do chão situam-se três quartos duplos, com camas de dossel e enormes casas de banho com banheira (mesmo ao gosto da S.), sobriamente decoradas.

 

O pequeno-almoço é delicioso. Compotas, pão e croissants, fruta e café forte, leite sem lactose e, para tornar tudo mais especial, podemos fazer chá com folhas de limonete fresco directamente colhido por nós à saída do salão. Como se não bastasse, todos os dias apanhámos diospiros das árvores e outros frutos da quinta, tornando toda a experiência mais pessoal e autêntica. Por 70 euros/dia, é um lugar de visita obrigatória.

A quinta é um labirinto de emoções. À saída do salão deparamo-nos com a belíssima fonte dos golfinhos que enceta um caminho de descoberta por jardins, pomares, fontes, tanques e vinhas sem fim. Ao longe, o mirante, uma pequena casa envidraçada onde o poeta escrevia, com vista desafogada para o Marão.

 

Do maravihoso Mirante contemplámos a natureza em silêncio.

O primeiro andar é um tesouro. Muito gentilmente, foi-nos concedido o privilégio de o visitar pela mão da anfitriã e do seu filho Martim. A majestosa cozinha rústica com enormes mesas de pedra e tecto elevado fazem-nos sentir outra vez crianças e regressar a outros tempos. Quase que ouvimos a azáfama das muitas refeições e serões que tiveram lugar neste espaço.

Depois, um longo corredor conduz-nos à ala preservada do poeta, e sentimo-nos levemente temerosos por ousar transpor estes domínios privados. A cama intacta, o escritório como o deixou, a secretária de trabalho, as fotografias dos seus amigos, os objectos que recolhia das suas caminhadas em busca de inspiração, incluindo pedras e paus, a banheira escavada no chão de granito, prova da excentricidade do poeta, e contígua à gávea vidrada especialmente construída para aquecer a escrita solitária. Todos estes momentos ficarão indelevelmente gravados na nossa memória.

Por fim, deixamos um agradecimento sincero e emocionado à Leonor e ao Martim, pela hospitalidade e amizade com que nos acolheram e deram a conhecer este lugar muito especial. Foram seguramente os melhores anfitriões das nossas aventuras.

 

 

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